Fonte: DW.
No final de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada pelas autoridades chinesas sobre vários casos de pneumonia em Wuhan. No início de janeiro de 2020, elas informaram que identificaram um novo tipo de coronavírus no país, que se espalhava rapidamente. Menos de um mês depois da notificação, em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), o mais alto nível de alerta da Organização, a fim de aprimorar a coordenação, cooperação e solidariedade global para interromper a propagação do vírus (OMS, 2021). Apesar desta medida, o vírus se espalhou rapidamente por todas as regiões e países do mundo.
Na América Latina, o Brasil foi o primeiro país a registrar um caso de Covid-19 no dia 26 de fevereiro de 2020. Em março do mesmo ano, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai tiveram seus primeiros casos registrados seguidos por outros países da região. Neste contexto de propagação do vírus por várias partes do mundo, no dia 11 de março de 2020, a OMS caracterizou a Covid-19 como uma pandemia e conclamou a comunidade internacional a cooperar para o combate ao vírus.
Os países latino-americanos adotaram diferentes ações e medidas para combater o Covid-19. Em muitos casos estas foram implementadas de forma unilateral, visando à própria sobrevivência das populações de cada um dos países, e em ritmos e em graus variados. Em outros casos, houve colaboração e cooperação entre os países da região. Sobre a cooperação, nos meses subsequentes da identificação do Covid-19 como pandemia, a OMS, em colaboração com diversos órgãos internacionais e nacionais, promoveu uma série de estudos, reuniões, ações, medidas e programas de combate à pandemia. Estes foram acompanhados por respostas de caráter regional e nacional, as quais nem sempre consideraram as recomendações da OMS para os países acerca da solidariedade global/regional. Especificamente no caso da América Latina, entre os organismos que tem trabalhado em parceria com a OMS, destaca-se a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que é o escritório regional para as Américas da OMS e a agência especializada em saúde do Sistema Interamericano (WEILAND e LAGO, 2021).
A despeito dos esforços internacionais e nacionais, o vírus se espalhou rapidamente pela América Latina e evidenciou as assimetrias sociais, econômicas e sanitárias da região, como pudemos acompanhar ao longo dos meses subsequentes de 2020. Estas foram mencionadas no informe especial nº 1 da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), intitulado “América Latina y el Caribe ante la pandemia del COVID-19 - Efectos económicos y sociales”, publicado em 3 de abril de 2020. Segundo o informe, a pandemia diminuiu a atividade econômica dos principais parceiros comerciais da região, especialmente pela queda dos preços dos produtos primários e deterioração das trocas econômicas, pela interrupção das cadeias globais de valor, pela menor demanda dos serviços de turismo e pela intensificação da aversão ao risco e deterioração das condições financeiras mundiais. Este complicado cenário aumentou a desigualdade social, a pobreza, a pobreza extrema, a fome e o desemprego, além de ter deteriorado as áreas da saúde e da educação (CEPAL, 2020).
Este cenário preocupante também foi tema de editorial da revista The Lancet, de novembro de 2020. Nesta edição, ponderou que embora naquele momento o país da América Latina que mais chamava a atenção fosse o Brasil, era preciso observar que a situação da América Latina como um todo era preocupante, pois apresentava uma das maiores taxas de mortalidade pela Covid-19 no mundo. Além disso, considerou que a região como um todo enfrentava uma crise humanitária devido à alguns fatores, como instabilidade política, corrupção, sistemas de saúde frágeis e desigualdades (econômicas, sociais e de gênero). As desigualdades agravavam a situação porque comprometiam a capacidade dos indivíduos de seguirem as medidas de quarentena e isolamento social e limitavam o seu acesso aos sistemas de saúde.
As desigualdades e os contrastes podem ser observados dentro dos países, mas também entre os países da região que têm um sistema de saúde universal, como Brasil e a Costa Rica, e os que não têm, como Haiti. Neste sentido, embora a pandemia tenha se alastrado pelos países da América Latina, ela teve e ainda tem momentos, ritmos e efeitos diferenciados. Isto auxilia na compreensão das distintas políticas e ações implementadas para conter a doença bem como do número de casos e de mortes por Covid-19.
A partir do segundo semestre de 2020, algumas das consequências destas desigualdades foram explicitadas, sendo que a América Latina passou a ser o novo epicentro da doença. Neste contexto, os países adotaram medidas mais ou menos propositivas para combater o Covid-19. Como fruto de medidas de combate ou apesar delas, alguns países da região tiveram maior número de mortes e contágio do que outros, como Brasil, México, Colômbia, Argentina, Peru e Suriname.
Em 2021, a região alcançou o pico de mortes diárias ao longo da pandemia por milhão de habitante, uma média de 10,85 por milhão de habitantes, em abril e superou os 1,5 milhões de mortes por Covid-19 e 45 milhões de casos em outubro (OUR WORLD IN DATA, 2021) [1]. Quase 89% dessas mortes ocorreram em cinco países da região, sendo eles Brasil (44,3%), México (22,1%), Colômbia (8,3%), Argentina (7,3%) e Peru (6,7%). Além disso, 3% de todas as mortes ocorreram na América Central e 1% no Caribe. Neste contexto, países que já tinham altos índices de casos detectados, como Brasil, Argentina e Colômbia, viram estes números aumentarem. Igualmente, países que não estavam com alta concentração de casos e de mortes também viram um aumento, como o Paraguai e o Uruguai.
De acordo com a OPAS, desde março de 2020 até 19 de março de 2022, as Américas acumulam mais de 149 milhões de casos e mais de 2,6 milhões de mortes por Covid-19 (OPAS, 2022) [2]. Em março de 2022, o subdiretor da OPAS, Jarbas Barbosa comentou que as Américas alcançaram 901 mil casos nos últimos sete dias, o que corresponde a uma diminuição de 19% em relação a semana anterior. As mortes caíram para 15.523, correspondendo a 18,4%, e todas as sub-regiões do continente registraram quedas em casos e mortes.
Apesar da nossa região viver um momento mais ameno, para o subdiretor e para a Organização, o aumento de casos em outras regiões do mundo deve servir como “um alerta” para as Américas. Deste modo, o cenário atual é de cautela, especialmente considerando o surgimento de novas variantes, as flexibilizações de medidas de controle da doença e os distintos ritmos de vacinação na região.
De acordo com Carissa Etienne, diretora da OPAS, quarenta e dois países e territórios do continente americano detectaram a variante Ômicron, altamente contagiosa. Na primeira semana de 2022, o continente americano registrou 6 milhões de notificações de casos, 250% maior do que o mesmo período de 2021 quando foram registrados 2,4 milhões de casos. A variante Ômicron está causando um aumento de casos nos países da região, como Brasil, México, Chile, Peru, Guatemala e Equador (OPAS, 2022). Apesar do aumento de casos, as mortes por Covid-19 não aumentaram com a nova onda o que pode ser associado aos altos índices de vacinação da região.
Mapa – Doses de vacina contra Covid-19 aplicadas nas diferentes regiões do mundo
(duas doses e dose única)
Legenda: quanto mais forte a tonalidade do verde, maior a concentração de vacinados com o esquema completo.
Fonte: Our World in Data (2022)
Vacinação e os desafios para uma distribuição mais igualitária
As campanhas de vacinação na região, embora tenham ritmos e tempos variados, começaram em dezembro de 2020 no México, na Costa Rica, no Chile e na Argentina. Nos meses subsequentes, outros países da região também iniciaram suas campanhas. Em novembro de 2021, a OPAS anunciou que a América Latina e o Caribe já tinham imunizado metade de sua população contra a Covid-19. Em janeiro de 2022, a diretora da OPAS anunciou que mais de 60% das pessoas da América Latina e Caribe foram vacinados contra o Covid-19 e mencionou que a OPAS quer vacinar, pelo menos, 70% da população do continente americano até meados deste ano via Fundo Rotatório da OPAS em coordenação com a iniciativa Covax Facility [3].
No momento em que escrevo este texto, em março de 2022, a América do Sul é a região que mais vacinou a sua população no mundo, com mais de 70% da sua população vacinada, seguida por Ásia (66,16%), Europa (65,04%), América do Norte (62,30%), Oceania (61,605) e África (14,70%) (OUR WORLD IN DATA, 2022). Apesar dos avanços da imunização e da América Latina ser um dos locais que mais tem vacinados no mundo, Jarbas Barbosa adverte que ainda há muito trabalho pela frente, especialmente considerando o seguinte cenário: países que têm mais de 80% da população vacinada, como Chile, Cuba e Uruguai; países que mal alcançaram 20% da população vacinada, como é o caso de Guatemala, Suriname e Jamaica; e países que nem chegaram a 10% da população vacinada, como o Haiti.
Gráfico – População totalmente vacinada contra a Covid-19
Fonte: Our World in Data (2022).
Também deve-se considerar que há países que já aplicaram ou estão aplicando a terceira ou quarta dose de reforço em parte da população, como Uruguai, Chile e Brasil, respectivamente, enquanto outros, como Haiti, Guatemala, Suriname e Paraguai dependem de doação ou não completaram o ciclo vacinal de três doses. Alguns países da região ainda não terminaram de vacinar os adultos enquanto outros já têm vacinado as crianças, como Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.
Com o avanço da vacinação e redução dos casos e mortes, países da região também têm flexibilizado as medidas de contenção ou de combate ao Covid-19, como o uso de máscaras, o distanciamento social e a realização de testes. Brasil, Argentina e Colômbia, por exemplo, suspenderam a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais abertos. Em alguns estados brasileiros, a suspensão da obrigatoriedade também vale para locais fechados.
Ainda que o cenário descrito seja mais favorável quando comparado ao mesmo período de 2021, ele ainda demanda cautela e cuidados, conforme ponderado pela OPAS. Além da pandemia ser um problema global, que exige esforços de todos e demanda que as ações de solidariedade no mundo todo continuem sendo executadas, nos mais diferentes níveis, a América Latina é uma das regiões mais vulneráveis social e economicamente em decorrência do Covid-19 o que torna ainda mais urgente a cooperação [4]. Conforme ponderou o cientista político Andrés Malamud ao tratar sobre a pandemia na América do Sul, “um país pode se sair bem sozinho se for uma ilha, como a Nova Zelândia. Na América do Sul, não há isolamento possível e nem cooperação suficiente” (CNN Brasil, 2021).
[1] O site Our World in Data adota como critério a América do Sul e a América do Norte.
[2] A OPAS adota Américas, considerando América do Norte, América do Sul, América Central e Caribe. Embora os Estados Unidos possam ter contribuído para elevar o número de mortos e de casos, quando observamos dados específicos sobre a América Latina notamos que os números de casos e de mortos são muito superiores quando comparados com outras regiões do mundo.
[3] Lançada em abril de 2020, a iniciativa parte da concepção de que a pandemia deve ser eliminada globalmente e, por isso, precisa que o acesso à vacina ocorra de forma justa, igualitária e independente da condição financeira dos países. Deste modo, ela visa ampliar a distribuição de imunizantes e garantir que nações de baixa renda não sejam negligenciadas. Para auxiliar no acesso universal e proporcional à vacina, a OMS convidou países de renda alta e média-alta a criarem um fundo coletivo para comprarem injeções em conjunto a fim de baratear os preços e ampliar o acesso, especialmente para os países de renda baixa (GAVI, 2021). Também em abril, um grupo de associações de saúde pública, academias científicas e autoridades políticas enviou uma carta ao secretário-geral da ONU solicitando que se instalasse na OMS um grupo de trabalho que versasse sobre a equidade em saúde. de uma aliança internacional que entende que a pandemia precisa ser eliminada globalmente.
[4] Segundo relatório recente da CEPAL, divulgado em janeiro de 2022, como consequência da prolongada crise sanitária e social da pandemia da COVID-19, a taxa de extrema pobreza na América Latina aumentou de 13,1% da população em 2020 para 13,8% em 2021, um retrocesso de 27 anos. Da mesma forma, estima-se que a taxa geral de pobreza teria diminuído ligeiramente, de 33,0% para 32,1% da população. Isso significa que o número de pessoas em extrema pobreza passaria de 81 para 86 milhões e o número total de pessoas em situação de pobreza cairia ligeiramente de 204 para 201 milhões (CEPAL,2022).
Referências Bibliográficas
CEPAL - Comisión Económica para América Latina y el Caribe. Informe especial nº1 Covid-19 - América Latina y el Caribe ante la pandemia del COVID-19 Efectos económicos y sociales. 2020. Disponível em: https://tinyurl.com/cepal2020inf1. Acesso em 09/07/2021.
CEPAL - Comisión Económica para América Latina y el Caribe. Panorama Social da América Latina. Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pobreza-extrema-regiao-sobe-86-milhoes-2021-como-consequencia-aprofundamento-crise. Acesso em 21 de março de 2022.
CNN Brasil. América do Sul vê explosão de casos de Covid e se torna região mais preocupante. 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/04/15/america-do-sul-ve-explosao-de-casosde-covid-e-se-torna-regiao-mais-preocupante. Acesso em 10/07/2021. Acesso em 21 de março de 2022.
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. COVID-19 Americas' Regional Dashboard. Disponível em: https://who.maps.arcgis.com/apps/dashboards/c147788564c148b6950ac7ecf54689a0. Acesso em 21 de março de 2022.
WEILAND, Cristhofer; LAGO, Mayra Coan Lago. Falta de coerência na resposta ao coronavírus entre o Mercosul, seus estados-membros e a OMS. Conjuntura Global, v.10, n.13, p.52-72, 2021.
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