Data: 23/03/2022
Veículo: O Globo
Foto: Divulgação/OEA
O embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos (OEA), Arturo McFields, denunciou nesta quarta-feira que há uma “ditadura em seu país” onde, segundo ele, “não há liberdade de expressão, nem partidos políticos independentes ou eleições críveis”. Após as declarações, a Chancelaria da Nicarágua disse que “desconhece o diplomata”.
Ao tomar a palavra durante uma sessão ordinária do Conselho Permanente da OEA, McFields criticou, de maneira inesperada, o regime de Daniel Ortega.
Ortega se reelegeu para o quarto mandato em eleições de fachada em novembro, após prender sete opositores e conduzir uma vasta campanha policial contra o direito de expressão e mobilização. Pouco depois, pediu o início da retirada do país da OEA, um processo que leva cerca de dois anos. O órgão vem questionando duramente a falta de liberdades no país centro-americano.
— Tomo a palavra no dia de hoje em nome dos mais de 177 presos políticos e mais de 350 pessoas que perderam a vida no meu país desde 2018 — iniciou o representante da Nicarágua. — Tomo a palavra em nome dos milhares de servidores públicos em todos os níveis, civis e militares, que são obrigados pelo regime nicaraguense a fingir, preencher vagas e repetir slogans, porque se não o fizerem perdem seus empregos.
McFields, primeiro negro a representar a Nicarágua na OEA, assumiu o cargo em novembro do ano passado, dias após a contestada reeleição de Ortega. Em sua fala, disse que “denunciar a ditadura não é fácil, mas continuar calado e defender o indefensável é impossível”.
— Tenho que falar, mesmo que tenha medo, tenho que falar, mesmo que meu futuro e o da minha família sejam incertos, tenho que falar porque, se eu não falar, as próprias pedras falarão por mim.
Ex-jornalista do diário La Prensa e da TV estatal Canal 12, McFields lembrou ainda que, desde 2018, a Nicarágua se tornou o único país da América Central onde não há mais jornais impressos, nem “liberdade para publicar um simples tuíte, um comentário nas redes sociais”.
— Não há mais organizações de direitos humanos, todas foram fechadas ou expulsas, não há partidos políticos independentes, não há eleições críveis — acrescentou.
Em nota, a Chancelaria da Nicarágua disse que McFields “não representa o governo”.
“O governo, através do Ministério das Relações Exteriores, cumpre informar ao nosso povo e aos que estão interessados que o senhor Arturo McFields não nos representa, por isso, nenhuma declaração sua é válida”, afirmou.
Nas declarações, McFields também relatou que, poucos dias antes de anunciar o início do processo de saída do país da organização, apresentou em uma reunião virtual com a Chancelaria e uma equipe de assessores presidenciais a alternativa de libertar 20 presos políticos idosos e outros 20 com graves problemas de saúde.
— Ninguém prestou atenção em mim. Naquele momento me disseram: “Não vamos nem tomar nota desse comentário porque você pode perder o emprego” — contou. — No governo ninguém ouve e ninguém fala. Tentei várias vezes, durante vários meses, mas todas as portas foram fechadas para mim.
O discurso foi classificado como “eticamente correto” pelo secretário-geral da OEA, Luis Almagro.
“Valorizamos a coragem do embaixador da Nicarágua Arturo McFields Yescas e seu compromisso com os valores da OEA. Esta é a posição eticamente correta”, escreveu Almagro no Twitter.
Ao tomar posse, no ano passado, o embaixador destacou que a Nicarágua está entre os cinco países do mundo com maior participação de mulheres na política e em cargos governamentais.
— Entre os temas que nos interessam e que temos defendido na OEA estão o empoderamento de gênero e os direitos políticos e sociais das mulheres, protagonistas inequívocas de nossa história coletiva — disse, à época.
Fonte: Adaptado de O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/embaixador-da-nicaragua-na-oea-rompe-com-ortega-chama-regime-de-ditadura-25444815. Acesso em 25 de março de 2022.