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Foto do escritorMargarida Nepomuceno

O tempo eternizado por Francisco Rebolo Exposição “Viver a Paisagem”

Atualizado: 25 de abr. de 2022




Francisco Rebolo, 1957. Árvores. Óleo sobre Madeira.



Quem ainda não teve a oportunidade de ver “Viver a Paisagem”, mostra de Francisco Rebolo na Galeria Marcelo Guarnieri, em São Paulo, tem até o dia 30 de abril para fazê-lo. Em cartaz desde o dia 19 de março, a mostra comemora os 120 anos de nascimento do artista (1902-1980), foi organizada conjuntamente pelo Instituto Rebolo e apresenta cerca de 30 pinturas, produzidas entre as décadas de 1940-1970 além de dois afrescos, de exposição inédita, que foram salvos, recentemente, pelos olhos atentos de profissionais que estavam junto à demolição de um antigo casarão da Vila Mariana. Sabe-se que uma das especialidades do artista, além das pinturas de paisagem em cavaletes, eram as pinturas decorativas que ele executava em residências.



Transmutação do primeiro modernismo


Se seguirmos o raciocínio do escritor mexicano Octavio Paz, o Modernismo transmuta-se seguindo a ordem dos tempos. O que é moderno em um determinado momento pode institucionalizar-se ou superar-se e muito provavelmente, não corresponderá ao moderno seguinte, de tempos subsequentes. Muitos vezes, tornam-se exemplares de modernismos de uma determinada época, definida no tempo. Dessa feita, como nos mostra a historiadora Mônica Pimenta, “o moderno do ano passado seguramente não é o moderno deste ano” (Veloso, 2010).


A obra de Francisco Rebolo deve ser

fruida com a generosidade do olhar e

ao mesmo tempo como resultado

de escolhas estéticas próprias

independente de pertencer à essa

ou aquela geração modernista


A obra de Rebolo deve ser fruída com a generosidade do olhar, pois é afetiva e bucólica, e encerra um propósito de registrar o sentimento de pertencimento, de vivência, por isso a coerência do título da mostra. Entretanto, essas obras devem ser analisadas sob a perspectiva da finitude das primeiras vanguardas dos anos da Semana de 22 e ao mesmo tempo de seu legado. Ela representa uma nova geração de modernistas, especificamente paulistas, de retorno à ordem dos cavaletes e do olhar curioso que procura equilibrar conteúdo, expressividade e forma. É o modernismo à moda paulista, do Grupo Santa Helena de artistas como Clóvis Graciano, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Fulvio Penacchi, Mario Zanini e Alfredo Rizzotti.



Paisagem como memória e não como lócus da Modernidade


Outra observação que se deve fazer é sobre a relação temática da mostra, a paisagem, com a História da Arte. As paisagens naturais compõem uma categoria tradicional da arte e foram durante muito tempo, destinadas á preferência do ofício dos pintores viajantes, ou daqueles que trabalhavam com as demandas do mecenato de aristocratas, ou das monarquias ou da elite oligárquica e foram quase que completamente abandonadas durante o auge das vanguardas modernistas.


É bem verdade, que a paisagem, especificamente a urbana, das primeiras décadas do século XX na Europa, apresentavam–se como lócus da modernidade e como caldeirão das inúmeras transformações que estavam ocorrendo, com o advento das descobertas, com a construção de edifícios, galerias, uso de locomotivas e outras máquinas, redes elétricas, vitrines, alta concentração urbana, enfim cenário inspirador para os artistas flâneurs que respiravam a fumaça da modernidade como ingrediente substancial para suas produções. Artistas que viviam em pleno conflito de anunciar o novo e vivenciar o antigo, como se um não sobrevivesse sem o outro. Significativo exemplo é o do uruguaio Torres Garcia que após registrar a agitada Nova York dos anos de 1910 e 1920 em uma série de pinturas, recolheu-se à bucólica Montevidéu dos anos 30, quando se prenunciava o processo de aceleração urbana da capital uruguaia.


Rebolo percorreu várias

cidades registrando

paisagens litorâneas,

como São Vicente, Itanhaém e

muitas outras como Guaíba,

Campos de Jordão,

Guarapari com seus bosques,

vilas e morros


Na verdade, a paisagem de Montevidéu, assemelhava-se à da São Paulo dos anos 1930-1940, paisagem que inspiraria Rebolo e demais artistas do Grupo Santa Helena, cuja produção seguiu paradigmas próprios, que nada tinham a ver com as modernas e agitadas metrópoles mundiais. Afinal, os processos de industrialização e urbanização das cidades latino-americanas estavam apenas começando e ainda existiam grandes bolsões semi-urbanos dentro das cidades, denominadas de chácaras urbanas, como os altos do Morumbi, em São Paulo ou em inúmeras outras capitais. Rebolo percorreu várias cidades registrando paisagens litorâneas, como São Vicente, Guaíba, Campos de Jordão, Guarapari e muitas outras cidades e vilas, morros e bosques.

Em depoimento à curadoria da Exposição, a filha, Lisbeth Rebolo Gonçalves, crítica de arte, presidente da AICA , e docente da Universidade de São Paulo afirmou que “Francisco Rebolo é o artista que foi morar na paisagem”.


Se observarmos, entretanto, as paisagens de Rebolo, veremos as mãos de um artista contemporâneo, bem pouco preocupado com a perfeição e a verossimilhança dos que fizeram a transição para o Modernismo. Mãos que apenas sugeriam uma paisagem simplificada nos detalhes, com traços modernistas planificados, que procurava reter, conservar, quase que imobilizar um cenário bucólico em tons queimados de terra e vegetação, cenário que provavelmente seria dissolvido, pulverizado, destruído nas décadas posteriores pelo avanço desenfreado da urbanização. Há 80 anos, os altos do Morumbi inspiraram o artista, observador e morador local, e muito difícil não sentir uma certa melancolia ao ver os quadros de Rebolo e antever a realidade caótica da região com seus atuais 4,5 mil habitantes por quilômetro quadrado. Paisagens hoje irreconhecíveis, não fossem as legendas esclarecedoras e que nos levam a pensar na ocupação desenfreada e a utilização não planejada do solo urbano, em nome de um desenvolvimento e de um pretenso progresso, bem entre aspas, com interesses destrutivos e exclusivistas.


Os altos do Morumbi,

em São Paulo, inspiraram

o artista, observador e

morador local. É muito

difícil não sentir uma

certa melancolia ao

deparar-se com os quadros de Rebolo.


Se fossemos fazer um paralelo entre as paisagens de Rebolo e as de Tarsila do Amaral, que também produziu uma série de paisagens urbanas, teríamos duas visões diferentes sobre uma mesma cidade: Tarsila esmerou-se em mostrar o início da urbanização de São Paulo impulsionada pelo ciclo econômico do café nos trabalhos “ Estrada de Ferro Central do Brasil”, (1924) ou “A Gare”, (1925), enunciando o novo, prognosticando um crescimento da cidade de São Paulo. Trabalhos que foram executados com todo o vigor daquela primeira geração vanguardista comprometida com o experimentalismo da forma, com a ideia da velocidade das máquinas e a urbanização. Já Rebolo, procurou paralisar o tempo dos afetos e das relações vivenciais com as paisagens. Sua pintura é exemplo de como o antigo, a escolha temática tradicional, sobrevive no novo, reatualizando-se, reenquadrando-se com as pinceladas de um homem contemporâneo. Para ele, tempo é memória, é história afetiva de uma geração que teve o privilégio de sentir-se parte da natureza, de “viver a paisagem”.


Rebolo foi um artista ativista, participante do Grupo Santa Helena, organizando salões para as exposição dos trabalhos artísticos, ajudando a organizar o Sindicatos dos Artistas e Compositores Musicais, tendo sido também, um dos criadores do Clube dos Artistas e Amigos da Arte ( Catálogo da Mostra, 2022).


Objetos do pintor revelam seu cotidiano no Atelier e alguns registros, tais como o desenho original do Sport Clube Corinthians Paulista, de 1990. Francisco Rebolo passou pelo futebol, mas apaixonou-se mesmo foi pela pintura.


A mostra “Viver a Paisagem” irá até 30 de abril e permanece aberta na Galeria Marcelo Guarnieri, na Alameda Lorena, 1835, em São Paulo, todos os dias, das 10h às 17h. Telefone 11 3063 5410. Todas as imagens concedidas em cortesia pela Galeria Marcelo Guarnieri.

Velloso, Mônica Pimenta. História & Modernismo. Belo Horizonte: Atêntica, 2010.



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