O resultado do segundo turno das eleições presidenciais colombianas, realizado em 19 de junho, confirmou aquilo que as pesquisas eleitorais vinham indicando desde novembro de 2021: o fim da estigmatização da esquerda, o esgotamento da direita uribista e o desejo dos colombianos de experimentar uma mudança.
A vitória de Gustavo Petro, quem obteve 11.281.002 milhões de votos (equivalente a 50,44% dos votos válidos no segundo turno), o levará a ocupar a Casa de Nariño a partir do próximo mês de agosto e aí deverá permanecer até 2026. Com a difícil missão de reunificar a um país profundamente marcado pelo ressentimento e pela violência, o governo Petro deve organizar-se sobre três eixos principais: a paz, a justiça social e a justiça ambiental. A seguir, comentamos um pouco dos desafios que se colocam para Petro e sobre as expectativas que esta vitória inédita desperta na região.
As relações hemisféricas
A agenda das relações internacionais é uma das que mais desafios coloca para Petro. Isto porque a campanha presidencial esteve marcada por acusações de que, em caso de sair vitorioso do pleito eleitoral, Petro promoveria a “venezuelanização” da Colômbia, aderindo ao chamado bloco bolivariano e abandonando os tradicionais parceiros do país no continente – em especial, os Estados Unidos (EUA).
Como lembra Caballero (2022), Petro buscou, desde a sua tentativa anterior de chegar à presidência da república, descolar-se de Nicolás Maduro ao fazer críticas ao que vê como uma guinada autoritária na Venezuela, mas tomando o cuidado de diferenciar o atual momento do chavismo daquele observado nos primeiros governos de Hugo Chávez. Isto não significa, no entanto, que Petro deva engrossar as filas dos que buscam o isolamento da Venezuela na região. Ao contrário, Petro deve adotar uma postura mais similar à da Argentina, retirando o reconhecimento até aqui dado a Juan Guaidó, que se autoproclama presidente da Venezuela, e reestabelecendo o diálogo oficial com Maduro.
A provável mudança de rumos nas relações com a Venezuela se deverá, ao contrário do que dirão os opositores de Petro, não por uma questão ideológica, mas por uma questão pragmática: a efetiva interlocução com o governo de Nicolás Maduro é fundamental para que Colômbia e Venezuela possam avançar na resolução de problemas compartilhados, como a questão migratória ou a crescente violência na fronteira entre os dois países. Ademais, o custo político de abandonar a Juan Guaidó atualmente é muito baixo, o que se deve ao esvaziamento quase que completo do Grupo de Lima desde as mudanças eleitorais ocorridas no México e na Argentina, mas também à reorientação estratégica por parte das potências globais. Exemplo disso foi a decisão de Joe Biden de não convidar a Maduro para a IX Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, mas tampouco convidar a Guaidó.
Da mesma forma, parece pouco provável que as relações entre Colômbia e EUA sejam revistas em seus aspectos mais estratégicos. Isto porque a cooperação que se estabeleceu entre os dois países, em especial na área de defesa, com o Plano Colômbia, possui ramificações profundas e difíceis de ser alteradas no curto ou médio prazo.
Por outro lado, temas como a proteção ambiental e a transição energética parecem caros tanto a Petro como a Biden e podem ser objetos de diálogo e de cooperação no futuro. O desenvolvimento sustentável foi um dos principais temas de campanha de Petro, de modo que o novo presidente da Colômbia deve assumir um papel de maior relevância na promoção da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e dos Acordos de Paris.
Ao mesmo tempo, Petro já afirmou em mais de uma ocasião a sua intenção de renegociar os acordos comerciais firmados com os EUA. Isto porque, para Petro, o problema do narcotráfico e dos cultivos ilegais de folhas de coca tem como origem o empobrecimento do campo, algo que teria sido agudizado ainda mais pelas condições impostas pelo tratado de livre comércio que a Colômbia mantém com os EUA. Neste sentido, a revisão do tratado seria fundamental para ambos os países, uma vez que permitiria à Colômbia desenvolver a sua agricultura, ao mesmo tempo em que garantiria a segurança dos EUA.
A integração regional
Ao longo da campanha eleitoral, Petro afirmou por diversas vezes seu desejo de ver criada uma nova “aliança progressistas” na América do Sul, objetivo que se vê muito mais facilitado em um cenário em que parte significativa do subcontinente se inclina à esquerda. Neste sentido, é razoável imaginar que as relações entre Colômbia, Chile, Argentina e, eventualmente, Brasil – em caso de se confirmar nas urnas o favoritismo de Lula – se verão significativamente fortalecidas.
Da mesma forma, a Colômbia de Petro deve assumir um papel similar ao desenvolvido atualmente pelo México no sentido de promover um maior diálogo com Cuba, Venezuela e Nicarágua, países que atualmente se encontram isolados na região. De fato, durante o Festival del Pensamiento Iberoamericano de Prisa Media, Petro afirmou que, se já fosse o presidente eleito da Colômbia na ocasião da IX Cúpula das Américas, teria ido a Los Angeles e que teria aproveitado esta ocasião para defender a presença de todos os países do hemisfério.
A democratização do Estado
A violência, principalmente a promovida pelo Estado, foi uma das principais características da política colombiana ao longo de toda a sua história. De fato, quase não há família no país que tenha passado incólume por décadas de ações violentas levadas a cabo pelas instituições do Estado, por paramilitares, pelas guerrilhas ou por grupos ligados ao narcotráfico – situação que aprofunda o enorme nível de ressentimento existente e que teve como um de seus reflexos mais evidentes o rechaço da maioria da população aos acordos de paz de 2016.
Assim que, sem dúvidas, um dos desafios mais difíceis que se coloca para o governo de Petro é a repactuação do país e a recuperação do Estado de direito na Colômbia. Neste sentido, Petro tem anunciado a intenção de implementar uma Lei Orgânica de Ordenamento Territorial, com o fim de proteger aos grupos indígenas e às populações camponesas. Da mesma forma, o programa de governo de Petro prevê a realização de uma reforma progressiva das forças armadas, de forma a capacitar os seus integrantes em temas relacionados aos direitos humanos, e também o redimensionamento da Polícia Nacional, de forma a recuperar o seu caráter civil.
Ademais, a Unidad Nacional de Protección, criada em 2011, deve ser reestruturada para que passe a atender principalmente aos líderes sociais. Esta medida, em especial, é fundamental em um país em que 145 líderes sociais e ativistas de direitos humanos foram assassinados apenas em 2021.
Inclusão e justiça social
Francia Márquez, eleita vice-presidente na chapa encabeçada por Gustavo Petro e um dos grandes destaques desta campanha eleitoral, direcionou a maioria de seus discursos para os “ninguéns”, as minorias invisibilizadas de um país dominado por suas elites tradicionalmente integradas por homens brancos e ricos.
Conforme indicado por Petro, Márquez deve assumir a criação de um ministério da igualdade, que terá entre as suas funções a promoção dos direitos das mulheres, da juventude, dos povos étnicos e da população LGBTQUIA+. Entre as ações que devem ser impulsionadas por este ministério, estão a promoção da paridade de gênero nos cargos públicos, de modo a que ao menos 50% sejam ocupados por mulheres. Ademais, as mulheres terão prioridade em políticas públicas como as de moradia popular, geração de empregos, educação, saúde, acesso à terra e, em casos de famílias monoparentais chefiadas por mulheres, estas serão beneficiadas com a eventual criação de uma renda básica.
Márquez, que é advogada, ativista ambiental e a primeira mulher negra a assumir a vice-presidência da Colômbia, será fundamental, ademais, para garantir o apoio e a mobilização da população jovem, que protagonizou os protestos sociais ocorridos em 2019 e 2021 contra o governo de Iván Duque. No entanto, para não decepcionar a este eleitorado que votou significativamente pela fórmula Petro-Márquez, o governo recém-eleito deverá de fato colocar entre as suas prioridades a melhoria do acesso à educação, a geração de empregos formais e a maior inclusão social deste setor da população colombiana.
Retomada do crescimento econômico e geração de empregos
O desemprego e o subemprego são atualmente uma das principais preocupações de parte significativa dos países latino-americanos. Na Colômbia, com 11,2% da população desempregada e com 46,8% da população na informalidade laboral, segundo dados do Departamento Administrativo Nacional de Estatística, a situação não é diferente. Para fazer frente a isso, Petro defendeu ao longo da campanha presidencial uma política de emprego direcionada especialmente às atividades de cuidado, as ações contra a crise climática e as ocupações mais tipicamente ocupadas por jovens, como as da economia criativa.
Ademais, a administração pública deve ser um importante gerados de empregos durante o governo de Petro, tendência que já podia observada na última gestão. Com Iván Duque, os setores que mais criaram postos de trabalho formal em 2021 foram os da indústria manufatureira e o serviço público.
Conclusão
Muita expectativa se criou, não apenas na Colômbia, mas em toda a América Latina, acerca da chapa encabeçada por Gustavo Petro e Francia Márquez na disputa presidencial colombiana. Isto porque a inédita vitória de uma chapa de centro-esquerda neste país abre espaço para o impulsionamento de debates e de políticas públicas fundamentais para que a Colômbia de fato encerre um ciclo histórico marcado pela violência política e por um alarmante nível de injustiça social. Cabe a Petro, agora, aproveitar desta nova correlação de forças – que é favorável não apenas no nível doméstico, mas também no regional – para colocar na prática o seu discurso de vanguarda.
Referências
CABALLERO, Esteban. Como Petro posicionará a Colômbia na região? Latinoamerica21, jun.2022. Disponível em: https://latinoamerica21.com/br/como-petro-posicionara-a-colombia-na-regiao/.
GONZÁLEZ, María F. Las batallas de Gustavo Petro. Nueva Sociedad, nov.2021. Disponível em: https://www.nuso.org/articulo/petro-izquierda-colombia-centro-fajardo-duque-uribe-perfil/.
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