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Foto do escritorFabiana de Oliveira

O “obradorismo” veio pra ficar: uma breve análise do referendo de revogação de mandato no México

Atualizado: 26 de abr. de 2022


López Obrador em discurso de vitória nas presidenciais de 2018. Foto: Goran Tomasevic/ Reuters.


Há cerca de dois anos, uma emenda à constituição do México promovida pelo atual presidente, o progressista Andrés Manuel López Obrador, passou a prever a possibilidade da convocação de um referendo de revogação do mandato presidencial. Defendido pelo governo como uma forma de promover no país a democracia popular, o instrumento foi bastante criticado pelos opositores de Obrador, que o acusam de tê-lo criado com o fim de ratificar o seu próprio mandato, de maneira a enfraquecer, ao invés de fortalecer, a democracia mexicana.


Foi assim que no domingo, 10 de abril, os cidadãos mexicanos foram convidados, por primeira vez, a votar em um referendo que podia resultar na revogação do mandato de López Obrador, quem foi eleito em 2018 para um mandato que será concluído em 2024. Ao contrário disso, 92% das pessoas que participaram da consulta votaram pela permanência do chefe do Executivo mexicano.


Ainda que este resultado nos leve à rápida dedução de que López Obrador é quase um consenso nacional, se faz preciso que levemos em consideração o fato de que o governo mexicano promoveu ativamente tanto a organização do referendo revogatório como a participação popular no mesmo. Isto porque havia, de fato, o entendimento de que uma vitória significativa da opção “Que siga el presidente de la república” fortaleceria o mandato de Obrador ao indicar que este segue gozando da confiança do eleitorado. Assim, diante da postura ativa do governo à respeito do referendo, o resultado obtido já era um tanto quanto previsível (DÍAZ, 2022).


Os mais críticos do governo de Obrador, por outro lado, chamam a atenção para o altíssimo nível de abstenção observado nessa consulta popular, já que menos de 18% dos cidadãos compareceram à votação. A estratégia da oposição havia sido justamente a de convocar seus apoiadores a não participarem do referendo, razão pela qual ela tem interpretado os resultados da consulta como uma derrota acachapante do governo. Ademais, os resultados seriam uma comprovação de que López Obrador perdeu a capacidade de mobilizar seu eleitorado, já que apenas 15 das 30 milhões de pessoas que votaram por sua candidatura na disputa presidencial de 2018 compareceram para ratificar o seu mandato.


Interpretações à parte, o que é claro é que López Obrador é o primeiro presidente da história do México a colocar o seu cargo à disposição da opinião pública. Ademais, é fato que a vitória por ele obtida já podia ser prevista por todos em razão dos seus índices de popularidade. Uma pesquisa realizada pela Poligrama apenas duas semanas antes do referendo indicou que 66,72% dos entrevistados acreditam que o governo de Obrador é bom ou ótimo, o índice mais alto desde o início de seu mandato. Cabe destacar, ainda, que em nenhum momento a popularidade de Obrador esteve abaixo dos 60%, nem mesmo no auge da crise sanitária criada pela pandemia de Covid-19 ou durante o processo de renegociação do Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês).


República referendária?


Recentemente, em agosto de 2021, o governo de López Obrador convocou os mexicanos para participarem de uma outra consulta popular, desta vez à respeito da possibilidade de que ex-presidentes fossem julgados por crimes cometidos durante seus mandatos. Os ex-mandatários em questão eram Carlos Salinas de Gortari (1988-1994) e Ernesto Zedillo (1994-2000), do PRI, Vicente Fox (2000-2006) e Felipe Calderón (2006-2012), do PAN, e Enrique Peña Nieto (2012-2018), também do PRI.


Nesta ocasião, também já havia ocorrido a guerra de narrativas entre governo e posição: o resultado da consulta popular foi quase unânime a favor da posição defendida por Obrador, de julgar presidentes que governaram o México nas últimas três décadas, de modo que o governo o interpretou como uma vitória. Já a oposição entendeu que o processo foi um fiasco em razão da participação popular extremamente baixa: apenas 6,5 milhões de pessoas participaram do referendo, menos de 8% do eleitorado e muito menos do que os 40% necessários para que o resultado se tornasse vinculante.


Os críticos de López Obrador tambiém haviam denunciado esta consulta popular por considerar ilegítimo e ilegal a possibilidade de se reverter a impunidade de ex-presidentes através de processos políticos, em lugar dos tradicionais processos judiciais, o que colocaria em risco o Estado democrático de direito (MODOSENI, 2021). Isso porque a proposta de Obrador consistia em criar uma espécie de Comissão da Verdade que poderia julgar políticos sem a necessidade de convocação de novos referendos para autorizar tais julgamentos.


Assim, fica evidente que a estratégia do obradorismo, de governar através da mobilização constante do eleitorado, esbarra na falta de uma cultura referendária no México. Mesmo temas que possuem enorme capacidade de despertar o interesse da opinião pública, como o combate à impunidade ou a manutenção do mandato de um presidente em exercício, não logram promover a participação popular em larga escala.


Ademais, a iniciativa proposta pelo governo de Obrador também encontrou forte resistência por parte de instituições ligadas ao judiciário mexicano. A Corte Suprema, por exemplo, tratou de obstaculizar o referendo ao dificultar a definição de uma data para a realização do mesmo e ao modificar a pergunta que seria submetida à votação popular, de forma a torná-la mais abstrata e de difícil compreensão, como lembra Modoseni (2021). No final, os mexicanos se depararam com a seguinte questão: "Você está de acordo ou não em que se levem a cabo as ações pertinentes com apego ao marco constitucional e legal, para empreender um processo de esclarecimento das decisões políticas tomadas nos anos passados por atores políticos, com o fim de garantir a justiça e os direitos das possíveis vítimas?".


O Instituto Nacional Eleitoral, por sua vez, mostrou sua resistência diante da proposta de realização do referendo ao dificultar a distribuição das urnas pelo país, alegando falta de recursos, já que a consulta popular ocorreria em uma data muito próxima àquela prevista para a realização de eleições legislativas no país.


Tensões com o Instituto Nacional Eleitoral


Não é de hoje que as relações entre López Obrador e o Instituto Nacional Eleitoral (INE) são difíceis. Em 2006, Obrador disputou as eleições presidenciais pelo Partido da Revolução Democrática (PRD), mas foi derrotado pelo candidato do Partido da Ação Nacional (PAN), Felipe Calderón, com uma diferença de 0,56% a favor do partido direitista. Naquela ocasião, Obrador denunciou diversas irregularidades, tais como o uso de dinheiro público por parte do então presidente e correligionário de Calderón, Vicente Fox, para promover seu governo e a candidatura de seu partido.


Foram diversas as manifestações organizadas por apoiadores de Obrador depois que os resultados das eleições de 2006 se tornaram públicos. Algumas delas chegaram a agrupar mais de 300 mil pessoas e eram caracterizadas por discursos duros contra Felipe Calderón e contra a justiça eleitoral, instituição de quem se cobrava a recontagem dos votos.


Nas eleições seguintes, em 2012, López Obrador voltou a se indispor com a justiça eleitoral mexicana, desta vez denunciando fraudes, abusos do poder econômico e compra de votos por parte do candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), Enrique Peña Nieto, quem venceu Obrador com uma diferença de 7% dos votos. Ao todo, foram registradas mais de três mil denúncias de irregularidades e Obrador tentou impugnar os resultados das eleições, mas não teve sucesso. Como resultado, o PRI retornou ao poder depois de ocupar a presidência mexicana, de maneira ininterrupta, por 71 anos.


Em 2018, Obrador obteve a maior vitória de um candidato progressista na história do México: foram 53% dos votos, ao mesmo tempo que o seu novo partido, o Movimento de Regeneração Nacional (MORENA) venceu em diversos estados e a sua aliança eleitoral conquistou a maioria dos assentos no parlamento mexicano. Mas nem mesmo este resultado e o clima de relativa normalidade em que se deu o sufrágio serviu para melhorar as suas relações com a justiça eleitoral mexicana. Isso porque, no início de 2021, o INE, acionado pelo opositor PAN, havia determinado que López Obrador deixasse de transmitir suas conferências matutinas, as chamadas "mañaneras", até o dia 06 de junho do mesmo ano, data em que ocorreriam eleições federais. O programa televisivo foi considerado pelo órgão como uma forma de propaganda eleitoral que tinha como fim a difusão de conquistas do governo, o que poderia influenciar as preferências políticas do eleitorado. Para Obrador, por sua vez, a ação do INE tinha como objetivo censurá-lo.


Recentemente, em março de 2022, as relações entre López Obrador e o INE voltaram a ficar tensionadas, novamente em razão das "mañaneras". Desta vez, o órgão deu ao presidente três horas para retirar da internet um programa que havia sido veiculado no dia 21 daquele mês, assim como a transmissão da cerimônia de inauguração do Aeroporto Internacional Felipe Ángeles. A alegação era de que o governo estaria, novamente, fazendo propaganda de sua gestão em um período proibido, já que em poucas semanas ocorreria o referendo revogatório de mandato.


Assim, o referendo revogatório não muda o cenário político mexicano de maneira prática, já que seu resultado não poderia ser validado ainda que a opção contrária à permanência de López Obrador na presidência tivesse vencido. No entanto, ele deixou claro que o mandatário mexicano ainda conta com apoio majoritário e com capacidade de mobilizar um número nada desprezível de indivíduos que integram o núcleo duro de sua base eleitoral. Ao que tudo indica, o obradorismo de fato se consolidou como a principal força política em um país ainda profundamente frustrado com a transição política prometida pelo PAN e com a suposta renovação do PRI anunciada por Enrique Peña Nieto.




Referências

DÍAZ, Marcos G. Revocación de mandato | ¿Éxito o fracaso de AMLO? Cómo los resultados del referendo revocatorio marcarán la recta final de su presidencia en México. BBC News Mundo, abr.2022. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-61074986. Acesso em 17 abr.2022.

MAGOS, Alejandro G. México: sistema partidário à beira do precipício. Latinoamerica 21, fev.2022. Disponível em: https://latinoamerica21.com/br/mexico-sistema-partidario-a-beira-do-precipicio/. Acesso em 17 abr.2022.

MODOSENI, Massimo. México: el referendum que no fue. Nueva Sociedad, ago.2021. Disponível em: https://www.nuso.org/articulo/mexico-el-referendum-que-no-fue/. Acesso em 17 abr.2022.

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