As recentes eleições presidenciais, que tiveram como vencedor o outsider Rodrigo Chaves, chamaram a atenção do mundo para a Costa Rica como há muito não se via. Muitos que compartilham da impressão de que a onda do populismo conservador na América Latina teve vida curta ficaram surpresos com o fato de que um país considerado tão estável decidiu eleger um candidato com pouquíssima experiência política, que minimiza acusações graves de assédio sexual feitas contra ele por ex-colegas de trabalho e que construiu a sua candidatura tendo como base ataques pessoais aos opositores e, apesar de sua exitosa trajetória acadêmica, usando de discursos pouco propositivos e de propostas genéricas à respeito dos principais problemas do país.
Um país de múltiplas facetas
Muito pouco se fala sobre a Costa Rica na América do Sul e, portanto, muito pouco se sabe sobre este pequeno país da América Central, o que o deixa permeado de falsas impressões que não exprimem em totalidade a sua complexidade. A imagem internacional desta nação se confunde com o seu slogan, “pura vida”, muito associado ao seu destacado desempenho em temas como a observação da ordem democrática, a proteção do meio ambiente e a busca do desenvolvimento econômico e social.
De uma maneira geral, costumamos pensar na Costa Rica como um dos Estados mais democráticos da América Latina. Essa crença é, em parte, verídica, mas ignora as contradições presentes neste país, como, por exemplo, o golpe de Estado organizado pela oligarquia cafeeira, em 1917, e a enorme polarização produzida a partir da crise do Estado liberal, na década de 1930, assim como a consequente experiência da guerra civil de 1948.nTambém chamada de revolução, os episódios de 1948 levaram ao poder o governo da Junta Fundadora da Segunda República, que governaria por 18 meses sem constituição porque tornaria inválida a Constituição Liberal de 1871 – curiosamente implementada por Tomás Guardia, quem chegara ao poder através de um golpe de Estado em 1870.
Também é comum pensarmos na Costa Rica como um dos Estados mais pacifistas do mundo. De fato, este país foi o primeiro a abolir as suas Forças Armadas como instituição permanente e de maneira voluntária, já que, desde o final da década de 1940, decidiu que o Sistema Regional de Segurança, composto pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), é um mecanismo suficiente para garantir a segurança de seu território e de sua soberania (ARAVENA, 2018). Apesar disso, a história recente da Costa Rica está permeada de tensões e conflitos com alguns de seus vizinhos, em especial com a Nicarágua, com quem tem questões relativas à delimitação de fronteira em aberto. Se voltarmos um pouco mais no tempo, nos lembraremos também da quase intervenção militar dos Estados Unidos na Costa Rica da década de 1920 e da aliança formada entre os ditadores da Nicarágua, Venezuela e República Dominicana com o objetivo de derrubar o governo de José María Figueres Ferrer.
Outra crença comum a respeito da Costa Rica é a de que, por lá, as eleições se dão em enorme grau de normalidade e que o país se encontra livre das polarizações tão comuns ao restante da América Latina atualmente. De fato, a Costa Rica contou por bastante tempo com um sistema partidário bastante sólido e que funcionou por sete décadas, tendo como principais eixos o Partido Liberación Nacional (PLN) e o Partido Unidad Social Cristiana (PUSC). No entanto, as eleições presidenciais ocorridas entre fevereiro e abril deste ano denunciaram a existência de uma profunda crise de representatividade e o elevado grau de fragmentação política em que se encontra o país, algo que as eleições de 2018 já haviam indicado.
Ascensão do populismo conservador nas eleições de 2018
Já em 2018 era possível observar que uma clara crise de representação começava a assolar a política costarriquense. Nas eleições presidenciais daquele ano, o pastor evangélico e cantor gospel Fabricio Alvarado chegou ao segundo turno do pleito e foi considerado o favorito, o que indicava a popularidade que as ideias neoconservadoras ganhavam popularidade no país.
Alvarado havia sido o primeiro – e, por muito tempo, o único – deputado do conservador Partido Restauración Nacional na Assembleia Legislativa da Costa Rica. Como parlamentar, atuava na defesa de pautas como a luta anticorrupção, a oposição ao aborto, à legalização da maconha, à fertilização in vitro e ao casamento homoafetivo, e a tudo aquilo que considerava ser “ideologia de gênero”, mesma agenda que levou para sua candidatura à Presidência. Defendia, ademais, a promoção de uma ampla reforma educativa que desse aos jovens “ferramentas de empreendedorismo”.
Inicialmente com pequenas chances de vitória, Alvarado viu a sua popularidade disparar logo depois da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em San José, capital costarriquense, defender o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Costa Rica e lembrar os compromissos deste país com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
A resolução da Corte polarizou as eleições do país e resultou em uma aliança inédita entre evangélicos e católicos conservadores. Apesar disso, a abstenção foi a principal característica das eleições de segundo turno (34%) e Alvarado foi derrotado por um outro candidato com quem compartilhava não apenas o sobrenome, mas também a lanterna das pesquisas de intenção de votos realizadas antes do primeiro turno: o moderado Carlos Andrés Alvarado Quesada, candidato do oficialista e social-democrata Partido Acción Ciudadana (PAC).
As eleições presidenciais de 2022
Eleito com um discurso que priorizava o chamado à unidade nacional, Alvarado Quesada se mostrou uma decepção para a maioria dos costarriquenhos. Seu fracasso à frente da Presidência da Costa Rica abriu espaço para que o pleito de 2022 fosse novamente marcado pela disputa entre um candidato de partido tradicional e um outsider, indicando a persistência da crise de representatividade enfrentada pelo país.
Desta vez, a polarização se deu entre o ex-presidente e candidato do PLN, José Maria Figueres, e o ex-ministro da Fazenda e candidato pelo novato e recém-criado Partido Progreso Social Democrático (PPSD), Rodrigo Chaves, em uma eleição marcada pelo registro de 25 candidaturas e por uma abstenção recorde: 40% da população não compareceu para votar no primeiro turno e 42% não o fizeram no segundo (MORAGA, 2022).
José María Figueres foi presidente entre 1994 e 1998 e pertence a uma das famílias mais tradicionais da política costarriquense – é filho de José María Figueres Ferrer, que se tornou a principal liderança do país após a já citada guerra civil de 1948. Seu discurso como candidato apostou em lembrar aos eleitores sobre sua experiência política e sobre a capacidade de governar de seu partido, ademais de centrar-se em uma agenda voltada para o combate à pobreza e ao desemprego, à defesa dos direitos das mulheres, das minorias e do meio ambiente.
Seguindo uma linha liberal-progressista, Figueres defendeu as reformas neoliberalizantes que realizou durante o seu mandato como presidente e que incluíram a liberalização do setor bancário e o fechamento de diversas instituições públicas com o fim de diminuir o déficit do Estado. Ademais, seus opositores constantemente lembraram o escândalo de corrupção envolvendo Figueres e a Alcatel, assim como a denúncia de que o ex-presidente havia recebido US$900 mil em propinas da multinacional francesa. Enquanto o caso era investigado, entre 2007 e 2011, Figueres deixou a Costa Rica para viver na Suíça, retornando ao país centro-americano apenas depois de arquivada a denúncia.
Rodrigo Chaves, por sua vez, é um economista que teve sua primeira – e breve – experiência na política institucional quando assumiu o Ministério da Fazenda do governo Carlos Alvarado. Grande surpresa deste pleito, Chaves começou a disputa entre os últimos colocados nas pesquisas de intenção de voto e terminou como o segundo mais votado no primeiro turno das presidenciais.
Desconhecido para a grande maioria do eleitorado, Chaves construiu sua campanha focando em críticas aos partidos tradicionais do país, afirmando seu desejo de “pôr ordem na casa” e lembrando sua longa trajetória acadêmica e junto ao Banco Mundial (BM), onde trabalhou por quase 30 anos. Foi justamente a sua passagem pelo BM o que tornou a sua candidatura polêmica: Chaves havia deixado a instituição sob uma série de denúncias de assédio sexual, o que resultou, inclusive, na abertura de uma investigação interna que se estendeu entre 2008 e 2013.
Diante de tais denúncias, Rodrigo Chaves se defendeu afirmando que as mesmas são falsas e caluniosas e que se devem a um mal-entendido provocado pelas diferenças culturais existentes entre os funcionários do BM. Suas explicações, no entanto, contrastam com seu discurso caracteristicamente marcado por piadas machistas, e não foram o suficiente para evitar que coletivos de mulheres protestassem enfáticamente contra a sua candidatura, especialmente por ocasião do 8 de março, dia internacional das mulheres.
Outro nome entre os 25 que disputavam a cadeira presidencial, Fabricio Alvarado se lançou novamente candidato, mas desta vez por um partido fundado por ele próprio, o Nueva República. No entanto, sabendo que não seria fácil repetir o fenômeno de 2018, Alvarado aproveitou a possibilidade de dupla postulação garantida pelo Código Eleitoral da Costa Rica e saiu, ao mesmo tempo, candidato à uma cadeira do legislativo pela capital, San José.
Com o discurso conservador de Alvarado se encontrava enfraquecido, já que diversos temas da agenda progressista, com a exceção do aborto, já foram implementados no país durante o governo de Alvarado Quesada, à Fabricio Alvarado restou apenas mesclar críticas contra a corrupção com a defesa dos valores cristãos, da liberalização da economia e do extrativismo. Ainda que nada disso tenha sido o suficiente para que Alvarado chegasse ao segundo turno das eleições majoritárias, lhe garantiu a reeleição para o legislativo com uma votação bastante expressiva – o que o mantém no páreo para as eleições gerais de 2026.
Para onde vai a Costa Rica de Rodrigo Chaves
A vitória de Rodrigo Chaves, que se deu com uma diferença de mais de 100 mil votos com respeito ao seu opositor, é o reflexo de um país que guarda consigo muitas feridas ocultas. Embora ainda apresente alguns dos melhores índices econômicos e sociais da região, um quinto da população da Costa Rica encontra-se abaixo da linha pobreza e 5,7% encontra-se em situação de pobreza extrema.
Enquanto a desigualdade havia sido reduzida em quase toda a América Latina na primeira década dos anos 2000, ela aumentou na Costa Rica. O desempenho do PIB é de crescimento e a dívida pública é das mais baixas da região, mas a economia não é capaz de produzir empregos para os 9,5% da população que se encontra em busca de trabalho. Para completar, a violência urbana vem aumentando de maneira significativa nos últimos anos e os escândalos de corrupção envolvendo a classe política e empresas estrangeiras viraram algo quase cotidiano. A este processo, os costarriquenses dão o nome de “guatemalização” do país, em referência à vizinha Guatemala, tão envolta em problemas políticos, sociais e econômicos.
As pesquisas eleitorais já vinham há alguns anos indicando uma importante clivagem no país, que parece sintomática do que acontece em um nível mais profundo da sociedade costarriquense: a oposição entre a população das províncias mais ricas, San José e Cartago, e as cinco províncias restantes. Enquanto Figueres venceu nas duas primeiras, Chaves teve uma confortável vitória nas restantes (MORAGA, 2022). Ao mesmo tempo, Chaves contou com amplo apoio dos setores evangélicos, que atualmente representam cerca de 20% da população costarriquense, apoio que se consolidou especialmente após as reações geradas por coletivos feministas em razão da denúncia de assédio sexual que pairava sobre Chaves. Como afirma Moraga (idem), tudo indica que o ressentimento contra a “ideologia de gênero” vai permanecer como elemento importante da política da Costa Rica.
A questão agora é saber se Chaves será capaz de dar uma resposta a esta Costa Rica tão desejosa de voltar à “pura vida” do passado ou se será, também, engolido pela persistência da frustração e do ressentimento, abrindo espaço para algum outro outsider que se apresente no campo da direita populista no futuro.
Referências
ARAVENA, Francisco R. Costa Rica: siete décadas sin Fuerzas Armadas. Nueva Sociedad, n.278, nov-dez.2018.
MORAGA, Enrique G. A Costa Rica de gente comum elegeu o desafiante Chaves. Latinoamerica 21, abr.2022. Disponível em: https://latinoamerica21.com/br/a-costa-rica-de-gente-comum-elegeu-o-desafiante-chaves/. Acesso em 10 de abril de 2022.
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