Nos últimos anos, o Brasil e a América Latina voltaram a se caracterizar pela persistência da fome, da pobreza, do desemprego e pela crescente informalidade laboral. O processo de agravamento das condições socioeconômicas dos países da região se agudizou ainda mais no contexto imposto pela pandemia de Covid-19 e em razão das insuficientes medidas de contensão da crise adotadas pelo Poder Executivo em seus diferentes níveis.
Como resultado, em 2021, 55,2% dos lares brasileiros apresentavam algum grau de insegurança alimentar, segundo o Inquérito sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, produzido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Isto significa que 116,8 milhões de brasileiros não possuem as condições de satisfazer as suas necessidades alimentarias diárias, um número 54% superior ao registrado em 2018. Deste total, 19,1 milhões padecem de insegurança alimentar grave – quando não se é possível fazer qualquer refeição durante um dia ou mais.
Da mesma forma, a pobreza e a extrema pobreza têm crescido de maneira abrupta em todo o país. Segundo dados da FGV Social, os brasileiros que viviam com cerca de R$260 por mês somavam 11% da população em 2019, número que foi fortemente reduzido para 4,8% em 2020, em razão da implementação do auxílio emergencial, e que voltou a tendência de crescimento quando o auxílio teve seu valor e alcance reduzidos: em novembro de 2021, 13% da população encontrava-se em situação de extrema-pobreza.
Ambos os fenômenos acima descritos estão diretamente relacionados com o processo de desmonte das políticas de proteção ao trabalhador e com a incapacidade da economia brasileira, dentro do atual projeto de neoliberalização, de produzir empregos estáveis e decentes. Como resultado, ocorre a precarização do trabalho, a destruição dos vínculos de solidariedade mais amplos e a deterioração da renda oriunda do trabalho.
Dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o Brasil fechou o primeiro trimestre de 2022 com uma taxa de desemprego de 11,1%, mesmo índice registrado no trimestre anterior. Esta nefasta estabilidade vem acompanhada de um outro número aterrador: 40% dos trabalhadores brasileiros encontravam-se em situação de informalidade laboral em julho de 2021, segundo o IBGE. Isso significa que, das 86,7 milhões de pessoas ocupadas no Brasil, 34,7 milhões eram trabalhadores sem a carteira assinada, que trabalham por conta própria sem CNPJ ou que trabalham auxiliando a família. A tudo isso, somamos ainda as 7,36 milhões de pessoas que se encontravam, também em julho de 2021, na condição de subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e temos o panorama da alarmante situação do trabalhador no Brasil.
Este cenário é ainda mais alarmante quando observamos as condições de ocupação por idade e escolaridade. A eliminação de postos de trabalho formal no ano de 2021 afetou principalmente aos mais jovens, em termos relativos, segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho intitulado “Panorama laboral 2021: América Latina y el Caribe”. Ainda que estes jovens voltem com maior velocidade ao mercado de trabalho, o fazem principalmente de maneira informal, em condições precárias e de baixa qualificação. Em razão disso, a informalidade é maior entre os jovens de até 25 anos do que em outros grupos etários, o que faz com que sofram com uma maior intermitência laboral e de instabilidade ocupacional. Isto ocorre por causa de dois fenômenos: primeiro, porque são forçados a entrar no mercado de trabalho de maneira temprana, por vezes ainda na adolescência, o que dificulta a continuidade de sua trajetória escolar e o desenvolvimento de habilidades que possam ser ofertadas no mercado de trabalho. Segundo, porque a pouca experiência profissional que possuem reduz a possibilidade de acesso às vagas de emprego ou os torna mais vulneráveis diante do risco de demissão, especialmente em contextos de mercado laboral contraído, como o que vivemos atualmente.
A desaceleração da crise sanitária imposta pela pandemia de Covid-19 parece não implicar, no caso do Brasil, em perspectivas de melhora das condições sociais e econômicas. Exemplo disso são as projeções realizadas pelo FMI que preveem que a taxa de desemprego no Brasil permanecerá entre as mais altas do mundo ao longo de todo o ano de 2022. Nos rankings divulgados pelo organismo, o Brasil aparece com a 9ª pior estimativa de emprego, com uma média prevista de 13,7%, estando ao lado de países como África do Sul e Sudão e dos territórios palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza.
Por fim, como resultado da perversa agenda de desmonte do país em curso, o Brasil atualmente integra o lamentoso grupo de nações que combinam taxas de inflação, de juros e de desemprego de dois dígitos. Entre as grandes economias globais, apenas Brasil e Turquia encontram-se nesta condição, segundo dados levantados pela agência de classificação de risco Austin Rating. Isso tudo em um país cuja economia não deve crescer, em 2022, mais do que 0,5%, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), e 0,3%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esta é a menor expectativa de crescimento econômico de toda a América Latina, abaixo de economias profundamente em crise, como a da Venezuela ou da Argentina.
Neste sentido, a solução para os principais problemas socioeconômicos que o Brasil enfrenta atualmente passa, necessariamente, pela construção e implementação de políticas públicas orientadas para a geração de empregos decentes e para a recuperação da renda.
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